Por uma internet surfável

23/02/2023

Eu acredito que uma das maiores perdas da Internet Corporativa™ que se estabeleceu e tomou o controle de praticamente todo conteúdo on-line, é a da Surfabilidade da internet. Para minha geração, que não estava nascida ou é muito nova para lembrar do surgimento da web, é engraçado ver propagandas americanas de meados dos anos 2000 que vendem a ideia de "Surfar a Internet" - especialmente porque essa experiência não existe mais.

Hoje em dia a internet se resume a pouquíssimos sites, 99% das pessoas só são encontradas neles e se você quiser se manter um ser humano funcional em sociedade é praticamente um pré-requisito ter conta em pelo menos um deles. Se eu quero ir para algum evento social eu descubro pelo Instagram (há uns anos usava-se muito os eventos de Facebook, muito melhores para este propósito, por sinal) ou eu rezo para que alguém me comunique da existência dele. Eu sou uma pessoa social, gosto de sair, de me comunicar com as pessoas, então é natural que eu precise utilizar uma plataforma onde todos estão.

O problema começa quando essa plataforma não apenas é um lugar para encontrar amigos: é também um portal de notícias, uma plataforma para memes, compartilhamento de fotos, produção de conteúdo. Tanto o Facebook quanto o Twitter quanto o Instagram tentam, de seu jeitinho particular, sererem plataformas capazes de englobar tudo que está na internet, para que você não saia delas para continuar vendo propagandas de produtos que você foi condicionado a querer por um algoritmo que nem os engenheiros sabem como funciona. E todas essas plataformas tem uma interface igual, com conteúdo praticamente idêntico (a maior parte dos perfis estão localizados em todas elas), com barras de rolamento infinitas aonde jorram conteúdo interminável no seu rosto. É comum a gente abrir uma plataforma como Twitter e TikTok e acidentalmente gastar potencialmente horas do nosso precioso tempo livre sem de fato fazer nada.

No final de 2022, eu descobri o Mastodon, que abriu meus olhos para uma outra relação com a internet. Ao contrário do Twitter (e Facebook e Instagram e afins), a plataforma é de código aberto e mantida pelos usuários, ou seja, não possui um modelo de monetização atrelado a uma grande corporação. Diferente também, das redes sociais corporativas, o Mastodon é uma federação: seus servidores são hospedados por usuários, alguns possuem temáticas específicas, outros atendem públicos de determinada região, outros são generalistas. Essa estrutura é interessante para o usuário por diversos motivos, mas o que me chamou a atenção foi o quanto de coisas novas que eu descobri na plataforma. A federação faz com que o Mastodon seja, na realidade, como diversas redes sociais que se comunicam entre si, aonde - através da busca e das interações - você como usuário pode ativamente descobrir nichos e pessoas interessantes sem que esse conteúdo seja jorrado em você.

Destaco a palavra ativamente aqui, porque é também possível que você encontre conteúdo bacana e distinto em outras redes sociais. Só que quando todo conteúdo consumido é curado, o quão ativa foi essa descoberta? No YouTube, quando eu descobri o cenário competitivo de Tetris (muito interessante por sinal), foi por recomendação aleatória da plataforma. Eu realmente descobri esse conteúdo ou o YouTube descobriu por mim? Não quero nem entrar no mérito sobre o valor de uma experiência curada, que eu acho que existe sim, mas quando essa experiência é curada através de diversos filtros moldados por empresas de propaganda, a nossa relação com a internet deixa de ser a de um usuário ativo, descobrindo conteúdo novo, e sim a de mero produto, feitos para consumir passivamente, com a mera ilusão de escolha do que assistimos.

O que o Mastodon e mais recentemente o NeoCities fizeram foi ressignificar a minha relação com a web. Eu sinto que o modelo de internet que essas plataformas apresentam é surfável: de hyperlink em hyperlink eu descubro conteúdo novo, estranho, alguns que eu gosto e alguns que eu não gosto, mas tudo bem. Eu não sou obrigado a ver o que eu não gosto. Aqui no NeoCities eu encontrei uma coletânea de gifs sobre monstros de halloween, portfólio de uma artista de glitch art e diversos blogs pessoais, alguns mais legais que outros. Todos eles ativamente descobertos: eu cliquei em links que eu julguei interessante, ao invés de rolar uma barra infinita de conteúdo moldado para mim. A relação se ressignifica: não mais somos mero produto, produzimos e consumimos o conteúdo que nós escolhemos.

Então a internet está divertida novamente para mim. Eu ainda uso as grandes redes, mas bem menos. Eu gosto de explorar nichos no Mastodon, ver fotos no PixelFed e descobrir blogs aqui no NeoCities. Me sinto no controle novamente, algo que não sinto mais há muito tempo. Fiz esse site como hobby, como aula prática de HTML, mas eu acho importante se apropriar do ciberespaço, que foi tomado de nós. A internet deveria ser nossa, e redes sociais abertas permitem isso. Não deveríamos deixar que as mesmas, sei lá, três empresas sejam donas de tudo.